ATA DA SEPTUAGÉSIMA SESSÃO SOLENE DA SEXTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 17.11.1988.

 


Aos dezessete dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e oitenta e oito reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Septuagésima Sessão Solene da Sexta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada a homenagear a Zumbi dos Palmares, pelo transcurso da Semana do Negro. Às dezessete horas e trinta minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Brochado da Rocha, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dr. Alberto da Costa Chaves, Secretário Municipal da Administração, representando, neste ato, o Prefeito Municipal; Dr. Jorge Oliveira, Conselheiro da Sociedade Satélite Prontidão; Sr. Rubens Saraiva Correa, Presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Bambas da Orgia; Prof. Oliveira Silveira, representando, neste ato, a Associação Negra de Cultura; Sr. Nelson Azambuja, ex-Vereador desta Casa; Ver. Ennio Terra, proponente da Sessão e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Enio Terra, em nome das Bancadas do PDT e do PCB, falou sobre a luta de Zumbi dos Palmares pela liberdade e redenção dos negros do Brasil, destacando a necessidade de uma conscientização maior do nosso povo quanto ao papel deste herói negro e para a importância da valorização justa da raça negra e de sua colaboração para o desenvolvimento do país. O Ver. Flávio Coulon, em nome da Bancada do PMDB, discorreu sobre o significado da presente data para a comunidade negra, relatando a história dos quilombos brasileiros e declarando que o ideal de vida digna e a luta de Zumbi dos Palmares permanecem vivos dentro da realidade do negro brasileiro. Após, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Dr. Jorge Oliveira que, em nome da comunidade negra, agradeceu a realização da presente homenagem pela Casa. Em continuidade, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às dezoito horas, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Brochado da Rocha e secretariados pelo Ver. Ennio Terra, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Ennio Terra, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1ª Secretária.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Damos por abertos os trabalhos da presente Sessão, que foi requerida pelo Sr. Ver. Ennio Terra e teve aprovação unânime da Casa. Como é praxe na Casa, ele se faz ouvir pelas suas Bancadas, motivo pelo qual convidamos o Exmo. Sr. Ennio Terra, autor da proposição, a falar pelas Bancadas do PDT e do PCB. Com a palavra S. Exa.

 

O SR. ENNIO TERRA: (Menciona os componentes da Mesa.) Senhores, meus amigos e meus irmãos. Zumbi - Raça Negra - Conscientização, três palavras que definem o “Dia Nacional da Consciência Negra”, que se rememora no dia 20 de novembro, porque a quase 300 anos atrás era barbaramente assassinado o negro que ousou rebelar-se contra a escravidão do povo de sua raça e os oprimidos pelas elites dominantes da época, tornou-se herói, lutou e tombou pelo ideal de liberdade e justiça social.

Entretanto senhoras e senhores, valeu a pena a rebeldia, o sacrifício da própria vida de Zumbi, pela liberdade dos oprimidos e principalmente pela redenção do negro no Brasil?

Os atuais movimentos negros nacionais muito lutaram para que o herói Zumbi fosse reconhecido como mártir e herói nacional, e que a data de sua morte fosse declarada como o Dia Nacional da Consciência Negra.

Pergunto-vos: mas só isso basta para resgatar a memória desse bravo negro? Basta existir a semana em homenagem ao negro?

A tão falada conscientização da raça negra, entretanto, infelizmente não vem alcançando plenamente seus objetivos, devido a falta de civismo e amor aos ideais de Zumbi.

A prova está numa Sessão Solene como essa, onde se rememora os feitos, lutas, ideologias e morte do maior líder da raça negra da história do Brasil, era para encontrarmos esta Casa repleta de lideranças negras prestando seu tributo a quem tanto fez e sonhou com a justiça social de sua raça.

Os imigrantes que vieram trabalhar no Brasil e agora seus descendentes, criaram suas colônias, cultivaram seus folclores e hábitos; praticando seu dialeto, permanecendo unidos e fortes, lutando pela sua independência econômica, aprimorando sua cultura, e quando comemoram ou rememoram suas datas históricas em Sessões Solenes como essa, nessa Casa, ela se transforma num ambiente festivo de expressiva presença.

A raça negra ao contrário omite-se em sua maioria, tudo porque lhe foi negada antigamente, a faculdade de agir, pensar, estudar sua história e praticar seu dialeto, isso tudo no cativeiro, que tirou do negro a conscientização do valor de sua raça no desenvolvimento do País, fazendo-o omisso às suas origens.

Temos que admitir que a raça negra saiu da senzala, dispersada e sem apoio oficial, sem casa, sem documentos, sem comida, sem ferramentas, sem dinheiro e jogados a própria sorte, isso trouxe a herança do personalismo, congregando-se só quando existia dança ou festa. Portanto poucos, muito poucos, nesse universo da raça negra brasileira preocupam-se com o aprimoramento da mão-de-obra, da cultura e da valorização do negro.

O resultado é que ainda muitos anos se passarão até que cada negro se dê conta que só mediante a união e plena conscientização e total integração social com o aprimoramento cultural é que surgirá a sua valorização.

Não se trata de racismo ou discriminação, como muitos apregoam, quando o negro procura valorizar-se, mas sim se trata de uma questão de justiça social que todo ser humano tem direito, procurando alcançar o padrão de vida que o tire da marginalidade.

Portanto nesse ano do centenário da chamada libertação do negro no Brasil, não basta a comemoração simbólica do evento, será preciso haver uma reflexão profunda de todas as atitudes e procedimentos do negro, lutando com todas as forças para que haja a valorização justa da raça que deu seu suor e seu sangue para o progresso do País, e que a data de 20 de novembro não seja simples e triste lembrança da morte de um bravo que idealizou e sonhou com a liberdade total de um povo; o seu povo negro.

Relembrar os feitos de Zumbi nem será preciso, já sabemos agora as verdadeiras páginas históricas de seu Quilombo de Palmares, precisamos métodos, renovar métodos e traçar ações que tirem o negro de raça subnutrida, marginalizada e discriminada socialmente, precisamos levar a luta de Zumbi adiante, porque não se pode viver de lembranças, para que sua morte não se torne uma triste rememoração e sim um marco da redenção e que realmente seja a bandeira da consciência negra.

 

ZUMBI

 

TOMBOU ZUMBI

O MÁRTIR, BRAVO GUERREIRO

O MAIOR HERÓI NEGRO BRASILEIRO

QUE LUTOU PELA LIBERDADE...

DE SUA RAÇA SOFRIDA

CATIVA, OPRIMIDA

PELAS ELITES DA MALDADE ...

SUA LUTA E SEU SONHO

DE UMA REPÚBLICA DE IRMÃOS

ONDE TODAS AS MATIZES DE MÃOS

SE APERTASSEM COM FÉ...

FOI A BONITA HERANÇA DEIXADA

QUE FICOU EM NÓS MARCADA

CONTINUANDO AQUELA LUTA

QUE A RAÇA NEGRA DISPUTA

POIS “ZUMBI” NÃO CAIU

CONTINUA AINDA DE PÉ...    

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Flávio Coulon, pela Bancada do PMDB.

 

O SR. FLÁVIO COULON: (Menciona os componentes da Mesa.) Meus senhores, minhas senhoras.

Passados seis meses das comemorações que marcaram o centenário da Abolição da Escravatura, estamos aqui reunidos para comemorar outro momento muito mais importante: O “Dia do Negro”, data que assinala não o ponto final do processo que resultou na Abolição, mas sim a mais importante revolta de escravos acontecida em nosso País. O que torna este dia ainda mais especial é que, ao contrário do 13 de maio, trata-se de uma data escolhida pela própria comunidade negra, e não imposta artificialmente pela história oficial. Motivos não faltam para esta opção.

A revolta do Quilombo dos Palmares aconteceu em um período muito próximo, historicamente, ao das Missões Jesuíticas. Tanto aqui no sul quanto no interior de Alagoas, o mote impulsionador era a liberdade. Os índios das Missões, antigos donos das terras que o colonizador europeu começava a ocupar, tiveram o auxílio dos padres jesuítas. Pagaram pelo fugaz momento de liberdade, com a perda de sua identidade cultural. Nos quilombos acontecia exatamente o inverso. Os negros tão estrangeiros quanto os europeus, lutavam pela liberdade e pelo direito de manter incólume a memória da cultura que haviam conseguido manter viva nos porões dos navios negreiros.

Negros e índios, quilombos e missões, tiveram fins semelhantes, destruídos pela força e pela intolerância. Com algumas semelhanças ainda mais curiosas: Em 1628 foi um tal de Domingos Jorge Velho quem realizou um dos primeiros ataques à Missão de Guairá. Em 1695, outro Domingos Jorge Velho exterminou o último grande Quilombo, o de Palmares. Morria ali Zumbi, o maior dos líderes da revolta negra. Mas morria apenas na carne, pois seu sonho continuou vivo até hoje, bem cantado nos versos de Denoir de Oliveira:

 

Não morre quem lutou/Não morre um ideal/Arranca a folha, vem a flor,/Arranca a flor, vem o pinhão...

 

E, no entanto, quase 300 anos passados da morte de Zumbi, a situação pouco mudou. Persiste, pois, não apenas seu sonho, mas também, em grande parte, a realidade que levou à criação dos quilombos. Persiste na miséria que continua a imperar para a maior parte da população do País em geral e certamente para a maioria absoluta da população negra. Existem poucas tragédias maiores do que a de ser pobre em um país pobre. E em nosso país, se sabe, a maioria dos negros é confinada à pobreza. Nos Estados Unidos, por exemplo, os 20 milhões de negros da população (cerca de 10% do total) movimentam por ano algo em torno de 300 bilhões de dólares. Quase exatamente o valor do PIB brasileiro, atualmente avaliado em 313 bilhões de dólares. Se considerarmos que também lá existe racismo, e que este, até bem pouco tempo, era inclusive oficializado em determinados estados, fica fácil perceber o quanto a conjunção “preconceito+miséria” torna crítica a situação do negro brasileiro. Reduzida a uma participação mínima nas parcas riquezas de uma sociedade pobre, a população negra do nosso País volta-se, cada vez mais, para dentro de sua própria realidade.

Mas não se irá construir um país novo se as divisões persistirem. As divisões entre sexos, entre credos, entre etnias, entre raças. Divisões que geram tensões, que, por sua vez, resultam em segregação. E é exatamente na segregação que reside o pior vírus de desagregação social. Por isto, gostaria de terminar este meu pronunciamento de homenagem a Zumbi dos Palmares e ao Dia do Negro, citando um outro negro, que há exatamente 20 anos, em 1968, morreu nos Estados Unidos vítima do racismo. Disse, em 1965, o Dr. Martin Luther King, Prêmio Nobel da Paz:

“A segregação racial é fruto do concubinato entre a imoralidade e a desumanidade. Não se pode tratá-la com a vaselina da contemporização”.

Faço minhas as suas palavras. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A seguir, a Mesa tem a honra de conceder a palavra ao Dr. Jorge Oliveira, Conselheiro da Sociedade Satélite Prontidão.

 

O SR. JORGE OLIVEIRA: (Menciona os componentes da Mesa.) Meus senhores, minhas senhoras, meus amigos, meus irmãos. Devo-lhes confessar que me sinto honrado demais, pois esta é a primeira vez que me encontro nesta tribuna, que é uma tribuna municipal do povo para dirigir palavras a alguém de nossa comunidade. Isto quer dizer que fui tomado de surpresa porque hoje aqui esperava contar com um maior número de lideranças negras, para que eu não tivesse que ser o sacrificado para lhes dirigir a palavra, porque dela eu não tenho o dom. Eu apenas represento e represento e represento, duas três vezes, na terceira escala, uma sociedade que é diminuta, dentro deste conjunto todo que representa Porto Alegre, o Rio Grande do Sul e o Brasil. Por isto a minha preocupação, mas eu tenho certeza, eu tenho absoluta certeza que posso agradecer com tranqüilidade esta homenagem que está sendo prestada a nós, desta comunidade negra, que bem elaborada e bem pensada foi pelo nosso então amigo e candidato Ennio Terra. E mais, eu quero dizer para os senhores da firmeza que eu sinto neste momento em relação a esta homenagem, o agradecimento que faço, que é do fundo do coração, porque, embora nós estejamos fracos de “quorum”, eu tenho absoluta certeza de que estamos firmes de convicção porque nós estamos caminhando para encontrar a nossa redenção, onde brancos e negros não existem. Existirão isto sim, como já disse, brasileiros, que é o nosso maior interesse e a nossa maior firmeza e a nossa única preocupação em aqui vir. Eu não tenho o dom de discurso, aqui fui chamado apenas para agradecer em nome da minha comunidade Satélite Prontidão, uma sociedade recreativa, estou aqui dirigindo o meu agradecimento a esta distinta Mesa a estes nobres companheiros e a todos vocês que honram com suas presenças esta solenidade. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Tendo-se ouvido as Lideranças da Casa, a Mesa, encaminhando a Sessão para o seu final, quer secundar o Sr. Vereador requerente desta Sessão, Ennio Terra, em dizendo do inexpressivo “quorum” da Casa. Se de um lado é lamentável, injustificável, de outro, é explicável, tendo em vista que os Srs. Vereadores encontram-se neste momento num instante crucial das suas vidas. Quero deixar não só os senhores e as senhoras aqui presentes, que a presente Sessão foi aprovada por unanimidade. É uma tradição da Casa, aliás, é sempre aprovada por unanimidade. Quero fazer esta ressalva em nome de meus colegas que não estão aqui, porque acho que é injustificável mesmo. O Ver. Ennio Terra tem razão. Mas, é explicável: as pessoas são humanas e todas elas estão na corda bamba das urnas e confesso mesmo, por um dever de lealdade que externei ao Ver. Ennio Terra, a minha dificuldade de chegar aqui porque tenho que cumprir uma série de compromissos, exatamente porque os companheiros desapareceram e foram cuidar de uma coisa importante que é o escrutínio das urnas, porque, afinal, substitui a ditadura. De outra parte, ao Sr. Secretário da Administração do Município, Dr. Carlos Alberto Chaves, que representa, neste ato, o Sr. Prefeito Municipal, que o Rio Grande do Sul tem uma singularidade sobre o problema da escravidão e o problema do negro. Sem querer dizer que somos estudiosos do assunto tive oportunidade de ver como foi a História dos escravos no Rio Grande do Sul: o Rio Grande do Sul, tão questionado por ser um estado positivista, em verdade o mesmo não importou escravos. Os escravos aqui chegaram basicamente vindos de duas situações: uma, foi a Guerra do Paraguai; a segunda, os escravos emigraram do Uruguai. Basicamente foi o que tive oportunidade de estudar, aliás, com surpresa, pois eu não sabia isso. Foi para mim muito agradável saber este fato.

De outra parte, quero dizer que lamento que Porto Alegre não tenha dado um destaque comemorativo a esta Semana. Lamento. Acredito e credito ao momento difícil que vivemos, dando oportunidade assim para que ficasse a descoberto uma data tão significativa como esta.

Quero, Ver. Ennio Terra, Ver. Flávio Coulon, oradores, dizer que espero que a Câmara Municipal da qual não farei parte no ano subseqüente possa realmente fazer uma Sessão condigna com a grandeza deste momento tão forte da História de nosso País, sobretudo porque é cultivado pelas pessoas mais pobres de Porto Alegre, num momento importante da nossa História. Gostaria, Senhores, de dizer que os tempos hão de permitir que sejamos todos nós, brasileiros, mas é muito difícil ser brasileiro e ter dignidade na atual quadra brasileira. Vejo tantas pessoas combalidas moralmente e certas pessoas que às vezes falam como heróis e, na realidade, estão procedendo como vilões. Não se sabe, face ao quadro terrível em que vivemos, quem são os mais nobres ou quem são apenas os aproveitadores e oportunistas. Isso explica talvez alguma coisa do que Ver. Ennio Terra colocou, sobre não poder ser debitado para a Câmara com exclusividade: a sociedade brasileira encontra-se muito doente. A Câmara é um reflexo dela, nós não somos uma ilha dentro do Brasil, do Rio Grande. Temos este contexto triste. Mas, sempre restarão heróis que irão resistir.

A Câmara é profundamente grata ao Dr. Jorge Oliveira, Senhores presentes, Senhor representante do Prefeito, Sr. Nélson de Azambuja, todas as Senhoras e Senhores. Felizmente o Ver. Ennio Terra propôs esta Sessão e nós o aclamamos por isso. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE: Estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h.)

 

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